Chuvinha de abril, teimosa, insistente afunda a capital soteropilitana em caos... Prenúncios de um outono molhado! Chuva frontal daquelas que te deixa todo ensopado, o corpo gelado e o bico do peito arrepiado. Poças e lamas retratam a cidade que em dias de chuva não consegue se conter. Buracos tomam toda cidade adquirindo extensões assustadoras sem grandes soluções... a cidade fica orfã de pai e mãe. O lixo vai junto a correnteza... a água busca caminhos para seguir e cumprir sua função... infiltrar nas raízes das plantas, perfilar as encostas, alimentar lençóis freáticos, os animais, os vegetais... dar a vida a quem precisa, sobretudo permitir a continuidade do seu ciclo. Embora aqui o ciclo venha se quebrando há muito tempo... solo nu, exposto, sem cor... sem plantas nem raízes... há somente uma água que escoa sobre as encostas sedimentares de Salvador... Levando muito lixo e muita dor. Encostas estas, habitadas por pessoas pobres que por falta de opção se arriscam em áreas de risco. Seres que temem a previsão de mais chuva porque talvez naquele dia, o dia vire noite e a casa não seja mais casa. A chuva para estes seres não tem muita graça, pois não traz notícia boa não. Há somente a dor, a saudade, o silêncio e muito lamento. Só se vê gente chorando dizendo:- Lembra de seu fulando? Morreu junto com a casa. Quem será da próxima vez? Eu aqui do alto vejo um céu nublado, cinza, sem vida... Vejo pessoas passarem apressadas com seus guarda-chuvas a tira colo... carros, buzinas, extensos engarrafamentos... Vejo corpos contidos, cobertos e em movimento... Aflição ao olhar esta paisagem através da janela... Aflição de sentir um fervor que me toma repentinamente os sentidos... Queria estar na chuva... Brincar, bailar, molhar meu corpo com essa chuva de outono... Limpar a alma... Tomar banho de chuva como se tivesse acordado de um sonho molhado... Por que não é uma chuva qualquer é uma chuva de outuno que nos acompanha na manhã de quinta-feira... embora saiba que a minha estupidez me fez pensar em beleza e poesia... A sonhar com um banho de chuva e a cidade a borbulhar em problemas... em desgraças... só queria dar a chuva um pouco de beleza, mesmo que a tristeza acompanhe as notícias da cidade... Não podemos culpar a chuva, devemos brigar por uma cidade mais justa, em quê as histórias trágicas sobre tempos de chuvas não sejam mais capas de jornais, apenas lembranças amargas que não queremos reviver.
Texto: Soraia Monteiro
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